Blog Hero image

Turbulência na OpenAI: Reflexões jurídicas para uma demissão e readmissão surpreendente

Imagem Perfil

Renato Bessa

5 Min
*Editado em

Jurídico

Turbulência na OpenAI: reflexões Jurídicas para uma Demissão e readmissão Surpreendente

Nas últimas semanas de novembro de 2023, o mundo da inteligência artificial foi sacudido por um evento inesperado: a demissão e readmissão de Sam Altman, CEO da OpenAI. Um movimento abrupto, decidido por um pequeno grupo de membros dos conselhos de administração, chocou o mundo da tecnologia. Para quem não sabe, a OpenAI, que está por trás do ChatGPT, que é chat de inteligência artificial lançado em novembro de 2022, ganhou o mundo em questão de semanas.

Coincidentemente, enquanto refletia sobre as questões do direito e sua aplicação, conforme apresentadas na notável obra 'Dicionário de Hermenêutica' de Lênio Streck (2018), deparei-me com o caso da OpenAI. Esse evento ressalta aspectos relevantes do direito, das práticas de governança corporativa e da ética empresarial. Em um setor marcado por inovações disruptivas, o episódio da OpenAI evidencia a volatilidade e as consequências significativas das decisões tomadas pelos líderes de organizações influentes.

Hoje, diante do avanço da inteligência artificial, surge a pergunta: a IA substituirá advogados e juízes? Este artigo, de forma bem simplória e reflexiva, sem nenhuma pretensão de discutir o direito empresarial estrangeiro, e muito menos de adentrar na questão do mérito de tudo que aconteceu no episódio da OpenAI, argumenta que, apesar das transformações tecnológicas importantes em diversos campos do conhecimento, as questões fundamentais do direito, permanecem únicas e devem resistir à 'algoritmização', já que são “analógicas” por essência.

Seguindo os desdobramentos do caso, um artigo publicado na revista WIRED (Dave, 2023) abordou a questão da estrutura corporativa “bizarra” da OpenAI, que começou como uma organização sem fins lucrativos, mas formou uma subsidiária com fins lucrativos em 2019, concedendo a quatro pessoas o poder de demitir o CEO Sam Altman. Nesse ponto, podemos fazer alguns questionamentos. Existindo essa disposição estatutária que permite aos conselheiros demitirem o CEO, seria isso um texto isolado? Sua compreensão não dependeria do contexto? A demissão dependeria de alguma fundamentação? A fundamentação pura e simples de que "Ele não foi consistentemente sincero em suas comunicações com o conselho." é suficiente? A interpretação de um dispositivo como esse não deve observar princípios e a tradição do direito? Pode-se abusar ao exercer o direito, ou ele deve ser exercido no limite da boa-fé objetiva? Um dispositivo que diz que o conselho pode demitir o CEO implica até mesmo naquele sem o qual a própria empresa se torna inviável?

No decorrer do mesmo fim de semana do incidente, o caso tomou rumos adicionais notáveis. A Microsoft, em um lance estratégico, anunciou a contratação de Sam Altman, o que foi destacado como um movimento significativo no mercado. Essa ação, em teoria, permitiria à Microsoft adquirir uma equipe de gestão de inteligência artificial altamente competente sem necessariamente comprar a OpenAI, avaliada em 86 bilhões de dólares. A situação foi ainda mais agravada pelo fato de que outros funcionários da OpenAI se opuseram à demissão e ameaçaram migrar para a Microsoft junto a Altman. Esse desenvolvimento levantou sérias questões sobre o futuro da OpenAI, sua governança e sua capacidade de manter a liderança na indústria de IA, conforme discutido em um artigo (Staff, 2023) pela equipe da WIRED.

A aqui outra questão interessante e que ilustra um dilema central no direito corporativo contemporâneo das BigTechs. A quem pertence o ativo de uma empresa de tecnologia que depende fundamentalmente do conhecimento e à experiência de seus funcionários? Quando esses indivíduos deixam a organização, levam consigo uma parcela significativa desse valor. Esse conhecimento é propriedade única da empresa? Como a empresa se protege dessa fuga de conhecimento? Um contrato de exclusividade, que vedasse a transferência para outras empresas seria eficaz em face do princípio de dignidade humana e direito ao trabalho? Como equilibrar a proteção dos ativos intelectuais de uma empresa com a liberdade de movimento de talentos no mercado, quando o movimento é tão abrupto que pode inviabilizar a própria empresa? A questão da Microsoft que pela via torta poderia de vir a adquirir a empresa, seria essa aquisição legitima? Poderíamos falar em eventual, enriquecimento sem causa? Os acionistas e investidores da OpenAI deveriam ser indenizados? E as diversas aplicações pelo mundo que hoje utilizam a plataforma da OpenAI?

A complexidade do direito reside camada de abstração, que muitas vezes transcende a capacidade de ser simplificada em algoritmos. Este artigo buscou ilustrar, por meio de uma série de indagações pertinentes, como os fenômenos sociais complexos interagem com o campo jurídico. Destacamos a relevância de aplicar o direito de maneira contextualizada, considerando as especificidades de cada época e situação. Assim, enfatizamos que, enquanto a tecnologia avança a passos largos, o direito “condição de possibilidade” continua a desempenhar um papel crucial, adaptando-se e respondendo aos desafios emergentes de nossa sociedade. Como já dizia o pensador H.L. Mencken “Para todo problema complexo, existe uma resposta clara, simples e errada”, o direito é complexo aplicá-lo de forma correta é o desafio contemporâneo.

Referência

Dave, P. (20 de Nov de 2023). How OpenAI’s Bizarre Structure Gave 4 People the Power to Fire Sam Altman. Fonte: WIRED: https://www.wired.com/story/openai-bizarre-structure-4-people-the-power-to-fire-sam-altman/

Staff, W. (20 de Nov de 2023). Microsoft Emerges as the Winner in OpenAI Chaos. Fonte: WIRED: https://www.wired.com/story/microsoft-emerges-as-the-winner-in-openai-chaos/

Streck, L. L. (2018). Dicionário de Hermenêutica. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito.